Quando surge a aceitação da necessidade de buscar ajuda psicológica, é comum as pessoas se depararem com um sentimento de insegurança, acompanhado por curiosidade, ansiedade e medo do tratamento. Toda essa mistura de sentimentos faz parte de um processo natural, já que uma nova realidade está prestes a se desnudar e a psicoterapia se constituirá como uma nova experiência.
Dessa forma, é bastante natural a preocupação com o profissional que irá acompanhar dores e conhecer fraquezas, segredos e sofrimentos. Para atenuar um pouco essa apreensão, é importante pesquisar acerca das diversas abordagens psicológicas e conversar com quem já fez/faz psicoterapia, afinal de contas, boas referências são sempre bem-vindas, principalmente em algo que requer extremo sigilo.
Bem, é preciso ter cuidado para essa fase não se transformar em algo negativo, onde todas as informações colhidas serão pretextos construídos para a não adesão ao tratamento.
Nesse sentido, quando alguém me pede indicação de psicólogo, tenho recebido indagações como “ É daquelas que responde com uma pergunta? ” “ Mas esse daí não é daquele tipo que só fica calado, olhando pra mim não, né? ” Ou ainda “ Será que vai ser rápido ou vai durar uma eternidade? ”
Tais exemplos são riquíssimos para a constatação de que é mais confortável achar uma série de obstáculos para um tratamento que ainda está na esfera da fantasia, do que enfrentar, realmente, os problemas por meio da psicoterapia.
Eis a resposta simples para todas as inquietações abordadas. Por trás de todas essas perguntas, o que está extremamente ativo é o incômodo de ter que falar, pensar e escutar sobre algo que traz sofrimento. Para algumas pessoas, isso é uma dificuldade imensa e o início da psicoterapia tende a tomar um caminho tortuoso quando o paciente está completamente armado com suas barreiras e trajando uma espécie de colete à prova de intervenções.
Nesse caso, aproveito para relembrar um texto muito simpático de Calligaris (2004), cuja temática circunda em torno de sua prática como analista, no qual ele inicia dizendo que o psicoterapeuta deve ter “ um gosto pronunciado pela palavra e um carinho espontâneo pelas pessoas, por diferentes que sejam de você. ” Acrescenta, ainda, que é relevante também “ uma extrema curiosidade pela variedade da experiência humana com o mínimo possível de preconceito. ”
Pensando como Calligaris, não há motivos para considerar o psicoterapeuta como um inimigo, um estranho que vai fazer de tudo para arrancar as feridas mais profundas e fazer o sofrimento entrar em erupção como um vulcão. Tal movimento pode até acontecer, no entanto, serão utilizadas técnicas condizentes com a linha teórica e respeitado o ritmo do paciente, ou seja, não há tratamento sem a real entrega e adesão do principal interessado.
É uma pergunta interessante. Muitas vezes as pessoas se acostumam com suas dores. Pode até parecer estranho, porém, provavelmente existem ganhos secundários quando há uma relutância muito grande na tentativa de enfrentar determinada condição de sofrimento.
Por exemplo, pode-se receber mais atenção e auxílio dos familiares/amigos, não ser contrariado, dentre outros ganhos. Nesse caso, a psicoterapia poderia “atrapalhar”, digamos assim, já que, com a possibilidade de saída dessa condição de padecimento, a pessoa, teoricamente, perderia os benefícios comumente vivenciados.
Sim, nenhuma realidade pode mudar se não houver alguém que queira mudança e que faça algo para que ela realmente mude. E para isso, é preciso disposição para o novo, para se sentir incomodado, para refletir, repensar e a partir de toda essa dinâmica, tomar posse de novas orientações a guiar a vida.
Portanto, considerando a psicoterapia como processo de alternativa à transformação, o paciente, desde que enfraqueça seu bloqueio ao tratamento, pode desfrutar de um espaço peculiar a fim de poder lidar de forma mais saudável com suas aflições mais severas.
Referências
Calligaris, Contardo. (2004). Cartas a um jovem terapeuta: reflexões para psicoterapeutas, aspirantes e curiosos. Rio de Janeiro: Elsevier Editora LTDA.
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