Como você habita o espaço que te cerca? Quais espécies companheiras (Donna Haraway) te acompanham? O que deixa de perceber? É possível sustentar um corpo poroso para habitar territórios e relações outras?
A observação flutuante, ou seja, esta que permite que outras entre-relações surjam no foco da nossa atenção, serve como um método de investigação das cartografias das cidades. Neste método, o corpo serve como ferramenta fundamental de trabalho, pois a coreografia realizada vem tanto a transformar o espaço, quanto ser modulado pelo mesmo.
Tudo numa tentativa de ser fazer surgir outros mundos, outras narrativas, justamente notando as que já estão colocadas, muitas vezes de forma velada. Um atentar-se a outras subjetividades não-humanas, mas que estão num constante movimento de co-criação de tudo que toca à natureza-cultura.
Para deixar a conversa mais concreta, trago o exemplo de um acontecimento cotidiano, onde podemos ver na prática o que significa dizer que o conflito é fundante da existência na Terra.
Essa é uma história de duas de nossas espécies companheiras mais notadas por nós, os gatos e os pássaros. Aqui em casa tenho dois dos felinos co-habitando, até recentemente eram 3. A gata que nos deixou faleceu a algumas semanas, e ela era uma exímia caçadora, ao contrário de seus dois irmãos machos, que preferiam ficar com a ração do pote. Vez ou outra nós acordávamos com os espólios de batalha da felina, que devorava tudo a não ser as penas que se espalhavam por toda casa.
Bom, eis que esta semana seus irmãos, como num ritual de despedida e luto, resolveram caçar e nos oferecer seus resultados. Contudo, diferente da irmã, não deixaram só as penas, mas o cadáver de um pássaro, no qual eu escorreguei às 4h30 da manhã quando acordei para ir ao banheiro.
Eu sou uma eterna amante de gatos, admiro a forma com a qual se relacionam com seu companheiros humanos e me conecto bastante, mas tudo tem limite. E pisar em um pássaro morto definiu bem o meu, foi feio nosso conflito, briguei, eles foram para fora, até a cachorra se recolheu.
E a moral da história, no fim, foi de que, ofereci um enterro no quintal para o alado, e o dia seguiu seu curso, os gatos continuaram miando para que eu enchesse sua vasilha todas vez que restavam apenas alguns grãos e eu continuo admirando o quão únicos podem ser esse bichos.
P.S.: Enterrei o pássaro em um canteiro, porque como fui lembrada hoje, a morte não é o fim, e assim o que morre vira adubo para outras vidas.
Você precisa fazer o login para publicar um comentário.