De acordo com a visão junguiana, um sonho é um produto natural da mente que reflete nosso estado interior, muitas vezes inconsciente para nós. Ao contrário da nossa consciência, que muitas vezes vê uma situação a partir de um ângulo particular, o sonho nos fornece uma visão diferente dessa mesma situação. Por isso, Jung usa a metáfora da fotografia para explicar a natureza do sonho. Assim como quando fotografamos conscientemente, o ângulo escolhido é particular para nós, o sonho capta a mesma situação, mas de uma perspectiva diferente. Portanto, uma das funções principais do sonho é fornecer uma imagem distinta daquela que a consciência está habituada a ver. Em suma, o sonho é uma expressão completa e sem censura do nosso estado interior, fornecendo uma perspectiva única para a nossa consciência.
” O sonho é uma reflexão, um comentário, uma tentativa de compreensão produzida todas a noites. Temos duas formas de pensamento, uma quando estamos consciente e uma quando estamos inconsciente, sobre aquilo que fazemos ou não, sobre o que está acontecendo conosco. Se integramos ou não esse segundo tipo de pensamento chamado sonho, se o interpretamos ou não é outra questão; mas é fato que esse fenômeno mental ocorre para todo mundo, todas as noites, toda vez que o cérebro entra numa certa faixa de
funcionamento, como a pesquisa contemporânea sobre sono e sonho tem demostrado”
-Roberto Gambini
De acordo com a perspectiva junguiana, os sonhos são uma forma de comunicação com a mente inconsciente. Prestar atenção aos sonhos pode fornecer informações valiosas que ajudam a compreender melhor a situação atual do paciente. No entanto, entender a linguagem dos sonhos pode não ser tão simples. Por exemplo, sonhar com pai ou mãe pode ter um significado que não se limita a essas figuras familiares. O sonho é uma forma de linguagem que a mente usa quando está em um estado diferente do de vigília. O problema é que a consciência não entende essa linguagem, é como se falássemos e entendêssemos em uma língua e o sonho usasse outra língua.
Na terapia Junguiana, os sonhos são uma ferramenta importante para aprender a dialogar com o inconsciente. Através do diálogo com o terapeuta, usando associações e outros recursos, a pessoa pode aprender a interpretar e compreender de forma suficiente a linguagem dos sonhos.
Algumas pessoas podem ter sonhos repetidos, o que pode indicar que o inconsciente está tentando chamar a atenção para algo específico em suas vidas. Depois que o sonho é compreendido e ampliado, geralmente não se repete.
Deixarei aqui o sonho que está no livro “A Voz e o Tempo”, Roberto Gambini relata um sonho que pode nos ajudar a compreender como os sonhos podem ampliar nossa compreensão de situações em nossas vidas.
” Vou relatar-lhe um sonho de um homem de trinta e cinco anos, que se defronta com uma crise de crescimento, ou seja, a temida entrada num modo de funcionar. Ambos sentem a dificuldade desse passo e têm medo do que vem pela frente (…) O sonhador está adaptado, trabalha, tem uma família e procura ocupar seu lugar profissional na sociedade; seu caso não é extremo, mas isso não exime de sofrer e debater-se com problemas íntimos. Seu sonho: ele está sentado em meio a um grupo composto por mineradores, todos bandidos, e ele tem duas pepitas de ouro. Uma está no bolso da calça e a outra na sola do sapato, presa com fita adesiva e ele está conversando com os mineradores. Daí ele cruza as pernas, em que a sola do sapato fica exposta , e encosta a perna no bandido. Nesse momento, ele se dá conta de que o bandido vê a pepita na sola de seu calçado e a quer para si, caso o contrário o bandido não o deixará ele ir embora. Então ele pensa: “Vou entregar esse para poder salvar a outra”. Ele tira a pepita de ouro da sola do sapato e diz: “De fato eu ia roubá-los , mas vocês me pegaram no pulo, tome aqui”, sentindo-se muito esperto porque está indo embora com outra escondida no bolso. E ele me conta o sonho no seguinte tom ” Está vendo, não estou tão mal assim, estou sabendo escapar dos bandidos”. Olhei e disse: “Você se contenta só com a metade do seu valor?”Ele perguntou o que eu queria dizer, respondi: ‘Esse sonho está querendo dizer que você entrega ao bandido metade daquilo que você possui de valioso e você se contenta com isso. Que bandido é esse? Aí que está a questão: o paciente tem que entender que mecanismo é esse em seu íntimo que diminui seu valor. É um complexo que come metade daquilo que ele vale e faz com que se sinta mal, apesar de achar-se esperto, não por não ter valor, mas por não integrá-lo na consciência e agir em consequência (…) um sonho como este permite que se faça um corte transversal no problema e se nomeie a situação psíquica que o paciente não é capaz de elaborar, dizendo por exemplo: ” Sei que tenho valor e capacidade, mas dentro de mim um mecanismo patológico subverte as coisas e acabo não conseguindo realizar nada”. Evidentemente não é assim que se fala, mas: “As coisas não dão certo, parece que há uma conspiração contra mim, os outros passam na minha frente roubam as oportunidades que tanto busco etc”. Ele se vê e se sente assim, mas o sonho o vê de por dentro, onde está o verdadeiro problema.
Embora haja muito mais a se explorar sobre os sonhos, neste momento, nesse breve texto gostaria de enfatizar a importância de prestar atenção neles. Mesmo que seja apenas anotá-los ou fazer um esforço para explorar nosso mundo interno, é fundamental não descartá-los como algo inútil ou sem valor.
Gabrielli Marques
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