O quanto bater? Ou “Bater resolve? (parte 2)”
Ainda que pudéssemos considerar, por alguma razão qualquer, a possibilidade de utilizar a punição física como forma de “educar” os filhos, crianças e adolescentes, ou pessoas nestas faixa-etárias sob nossa responsabilidade, o quanto seria possível bater? Por quanto tempo? Com que intensidade? Com que frequência?
Digo: “ainda que pudéssemos considerar” a hipótese de bater nos filhos porque, antes de tudo, se estamos refletindo sobre formas de ensinar normas às crianças ou adolescentes precisamos, como adultos, ser os primeiros a dar o exemplo de como seguir outras normas às quais estamos sujeitos também. Pois, no Brasil existe Lei que prevê a forma como crianças e adolescentes têm o direito de ser educados. Refiro-me à Lei 13010/14 que altera o Estatuto da Criança e do Adolescente (Lei 8069/90) e, dentre outros detalhes, estabelece que “A criança e o adolescente têm o direito de ser educados e cuidados sem o uso de castigo físico…” e define castigo físico como: “ação de natureza disciplinar ou punitiva aplicada com o uso da força física sobre a criança ou o adolescente que resulte em: a) sofrimento físico; ou b) lesão;”
Portanto, como poderíamos alegar que usamos de métodos “educativos” para a vida com regras através de estratégias que infringem a Lei? Justamente pela ausência clara na Lei de uma descrição exata do que se considera “sofrimento físico” e “lesão”, com base em comportamentos ou evidências observáveis a partir de medidas e aspectos mensuráveis de tempo, intensidade, frequência e descrições empíricas, seria totalmente subjetivo definir o quanto poderíamos bater.
Mas, podemos partir da consideração do que é facilmente observável por qualquer pessoa no dia-a-dia. Como já escrevi em outro texto (clique aqui para conferir), se a punição física das gerações passadas resultou em boa educação em alguns casos de pessoas adultas hoje em dia, trata-se de exceções em relação ao número muito maior de indivíduos que tiveram problemas em seu desenvolvimento, principalmente quando as punições foram abusivas.
Outro aspecto negativo intrínseco ao uso da punição física é que o comportamento de bater frequentemente ocorre no instante ou logo após a pessoa que bate estar emocionalmente alterada, como uma manifestação de raiva, decepção, ódio, rancor, vingança ou pensamentos automáticos negativos. O que, de fato, caracteriza associação com outra prática educativa negativa, que é a “punição inconsistente”, definida como o ato de punir o educando (seja fisicamente ou não) de acordo com o estado emocional de quem educa e não com base em regras (Gomide, 2006).
Ainda, o que vejo de mais grave na punição física é algo que observei ao atender a mãe de uma criança com cerca de 5 anos morta pelo próprio pai em consequência de agressões após o filho se recusar a comer. Obviamente que os atos de bater no filho eram recorrentes há tempos e não foi numa situação pontual ou isolada que a tragédia ocorreu. Mas, por isso mesmo, podemos considerar que através da punição física os pais podem até conseguir controlar o comportamento dos filhos, ou não. Se não surtir o efeito desejado ou a criança voltar a cometer os mesmos atos de desobediência o que os pais farão? Baterão mais do que a primeira vez? Com mais força ou frequência? Se a criança recorrer em desobediência, até quando bater? O quanto é possível aumentar esse tipo de punição? O quanto bater?
Por isso, o recurso de bater, além de contrariar orientações e Leis, é um recurso muito limitado! Sem contar que, o próprio exemplo dos pais a respeito de como resolver problemas através da força é um modelo negativo. Enquanto existem outras estratégias muito mais eficazes de práticas educativas que podem ser amplamente utilizadas, sem contraindicação e servem de modelo adequado em si mesmas. Podem ser aplicadas cada vez mais e com maior intensidade, frequência e tempo de punição sem efeitos colaterais. Como está exemplificado no primeiro artigo que escrevi neste site e pode ser conferido clicando aqui.
Luis Antonio Silva Bernardo
Psicólogo CRP 19/004142
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