Psicólogos acionados afirmam que estresse aflições ligadas a medos sobre saúde ou emprego estão entre principais queixas de pacientes após o isolamento social como parte do combate à pandemia
As reclamações mais comuns dos novos pacientes no período são de estresse, ansiedade e depressão causados ou fomentados pelos reflexos da pandemia na saúde mental das pessoas, afirma o psicólogo Abel Antonio.
“As principais queixas estão relacionadas ao medo de não saber o que vai acontecer em relação ao emprego, a vida, como será esse novo normal de que todos falam. Recebi queixas sobre relacionamentos também, muito pelo fato de as pessoas terem de conviver sob o mesmo teto por mais tempo, o que faz aparecer mais atritos”, comenta o profissional.
Mesmo antes da pandemia, o Brasil já estava entre os países com maior índice de ansiedade, segundo a OMS (Organização Mundial da Saúde), e em primeiro lugar na América Latina em incidência de depressão.
Isolamento social, medo do contágio, dificuldades financeiras, incertezas sobre o futuro. O que não falta são motivos para esquentar a cabeça e tirar o sono de muita gente nesses tempos de pandemia. Para lidar com os desafios, cada vez mais o brasileiro está buscando ajuda profissional – mas desta vez de um jeito diferente. Para vencer as limitações do deslocamento, o apoio psicológico agora é pela tela do computador ou do celular.
Com o distanciamento social exigido pela pandemia e recomendado pela Organização Mundial de Saúde (OMS), a internet ganhou ainda mais importância no dia a dia das pessoas: válvula de escape, entretenimento e trabalho. Para uma parcela significativa da sociedade, ela se transformou em item essencial para a saúde mental. Quando as atividades nos consultórios foram suspensas, ainda em 18 de março, uma categoria foi obrigada a adaptar-se para atender a seus pacientes: as psicólogas e psicólogos.
Nos depoimentos, as psicólogas relatam as dificuldades do início, mas enxergam, para si e para os clientes, muitos pontos positivos. “O processo terapêutico não deve ser interrompido. A mudança macro causou mais demandas psicológicas. As pessoas já estavam num processo de cuidado, mas a questão do isolamento repercutiu no cotidiano. E os clientes foram dando retorno. Por exemplo, o tempo de deslocamento até o consultório, pegar ônibus, procurar estacionamento. Isso impactou até financeiramente”, enumera Jéssica Noca.
Geórgia também vê vantagens no atendimento à distância. “Depois, quando a gente vai ficando mais capacitado, fica mais à vontade e consegue identificar outros aspectos: o foco no olhar, a observação do corpo”, diz ela, que trabalha com terapia psicocorporal, com foco na análise bioenergética. “A gente orienta a movimentação do corpo, trabalha com a respiração. Então, usamos colchão, almofadas, então peço para que eles se coloquem de um modo que possa ver o corpo.”
Outro aspecto que Geórgia salienta é que, na terapia online, ganha-se tempo e economiza-se em dinheiro . “O lado do trânsito mesmo. Também, com meu filho tendo aulas em casa, não preciso deixar ele na escola, economizo gasolina. Houve perdas, mas também ganhos.”
Para Jéssica, já sob o ponto de vista do processo terapêutico, há sim pontos positivos. “Tem cliente que passou a estreitar melhor a comunicação com o marido ou com o filho. Outra coisa é que, antes da pandemia, a chamada de vídeo não era tão comum. As pessoas passaram a se comunicar mais. Até porque isolamento social é diferente de distanciamento social.”
Tanto que, mesmo com a possibilidade da volta aos consultórios, a maioria dos clientes prefere continuar online. “Ninguém quer voltar ao presencial”, resume Geórgia, que o consultório com uma sócia e está se preparando para o retorno. “Tudo na vida, sem exceção, tem o lado A e o lado B. Têm as coisas ruins, péssimas até, mas nós desenvolvemos recursos de resiliência, a partir da dor e do sofrimento. Se não a gente enlouquece.”
No caso de Jéssica, ela contabiliza que 80% dos clientes optaram por continuar online. “Só voltei ao atendimento presencial em agosto. E com uma série de adaptações. Recomendo que a pessoa chegue cinco minutos antes e avise pelo WhastApp para liberar o acesso ao consultório. Temos, protetor para os pés, álcool 70º para higienizar a poltrona com plástico. A cada troca de cliente, temos que fazer a higienização. Até agora, quem eu atendo online quer continuar online. Os presenciais são os que chegaram mais recentemente. São pessoas que não têm espaço em casa com privacidade, na maioria e precisa do atendimento.”
A psicóloga crê que a tendência é essa. “Acredito que tende a ser maior online. A gente não sabe até quando isso vai durar e as pessoas estão identificando vantagens. Elas pretendem ficar online e, em situações específicas, irem presencialmente. O atendimento pode ser misto. Se a sociedade muda, a gente tem que se ajustar à realidade.”
Atendimento online não é para todos
Por outro lado, salientam as profissionais, há uma série de fatores que contribuem negativamente no panorama dos atendimentos, além das questões emocionais. A principal delas é justamente a questão de poder e saber usar a internet. Pessoas idosas, por exemplo, têm maior dificuldade em se adaptar ao mundo virtual – e isso é um problema sério.
Geórgia esclarece que, no início da pandemia, a maioria dos seus clientes optou por deixar a terapia. “Apenas um terço aceitou prosseguir online. Os outros alegaram que não sabiam usar as plataformas, que tinham vergonha ou que achavam que não iria funcionar. Hoje, dois terços dos clientes que eu tinha antes da pandemia estão fazendo online. E chegaram novos.”
Geórgia chama a atenção para outro fator: a condição social. “Muitos dos meus pacientes do ambulatório público são pessoas que não tem wi-fi em casa ou nem mesmo usam o whatsapp. Então, como sou servidora do SUS também, o que me chama a atenção são as pessoas que não sabem ou não podem usar a tecnologia como ferramenta, seja por não ter recursos ou não conseguir acessar. Eu fazia um grupo de mulheres, toda quinta-feira, e não pude fazer pelo Zoom porque, além de eu ter sido afastada da policlínica, muitas delas não teriam como participar. São duas questões referentes ao uso da tecnologia: saber e poder usar.”
Outra questão, apontada por Jéssica, é a sobrecarga nos profissionais. “Minha demanda de trabalho aumentou muito. A gente tem que ter um tempo maior de preparação para cada atendimento, um intervalo maior para criar o link, manusear a plataforma, gerar a senha, mandar antes para o cliente.”
Do outro lado da tela
E quem está do outro lado? Muita gente se viu preocupada com a suspensão dos serviços de atendimento presencial, assim como também, com o incremento da opção online, se poderia pagar pelas sessões. É o caso da publicitária Fabiana Pereira, 45 anos, moradora do Janga, em Paulista. “No início, foi pela grana. Eu não sabia como ia ficar meus trabalhos, se os clientes iriam continuar ou cancelar os contratos. A maioria dos meus clientes tem negócios locais. Se eles não poderiam me pagar, como eu pagaria a terapia? Para evitar esse custo, falei com minha terapeuta que iria parar”, conta ela. “Uns dois meses depois, eu já estava certa em voltar, mas ela é que não estava bem e decidiu parar com o atendimento online. Ela não está atendendo.”
Fabiana reforça que voltou a sentir necessidade de fazer terapia. “Eu sofro de ansiedade já há um tempo. Eu estava sentindo que precisava de ajuda profissional. Comecei em janeiro, mas em março paramos. Com a pandemia, comecei a cortar coisas que poderia retomar mais à frente. Nem são coisas que eu considero supérfluas, porque a terapia não é. Mas eu foquei no básico para sobreviver. Percebi que precisava voltar porque comecei a ter mais ansiedade, não dormia absolutamente nada. Não sei se eram crises de pânico, mas eu comecei a ter um medo absurdo: de pegar a doença, de perder gente que eu gostava, de sair na rua até para comprar comida. Hoje, estou melhor, mas passei por dias muito difíceis.”
Como a questão financeira não foi afetada – “Não perdi nenhum cliente. Na verdade, ganhei mais clientes” -, Fabiana está pretendendo voltar. “Eu estou vendo uma luz no fim do túnel, então estou melhor da ansiedade, mas quero voltar à terapia.”
Já a jornalista Thais Sanchez, 28, não parou. “Eu fazia presencial há uns oito anos. Devido à pandemia, tive que migrar para essa nova modalidade”, enfatiza ela, que tem sessões de terapia sistêmica com duas psicólogas. “Isso é muito interessante: cada uma em sua casa. Mas fazemos via whatsapp, que á mais fácil por causa da conexão.”
Thais não encontrou muita dificuldade para acessar esse modelo de atendimento. “Eu moro só, então fico na sala e fazemos a nossa consulta”, complementa, lembrando que o começo da pandemia foi muito difícil para ela. “Imagina você passar por uma separação e um isolamento social. Eu tive crises de ansiedade. Foi muito importante estar sendo acompanhada pelas terapeutas. Claro, cada um tem seus problemas e a pandemia os acentuou.”
Thais Sanchez
Para Thais, as pessoas que pararam de fazer terapia o fizeram mais pela questão financeira. “Na hora da dificuldade, as pessoas cortaram logo isso. Pelo menos é a percepção que tenho no meu círculo.” Ela relembra que ainda foi capaz de fazer meditação guiada, também pela internet. “Não fazia antes e achava que não era capaz de fazer”.
Jéssica lança luz para um fato: o de que, mesmo com todos os problemas, a pandemia pode ser uma oportunidade para ressignificar o nosso modus vivendi. “Temos passado por grandes perdas. Desde não poder sair de casa até de se relacionar com os que estão em outro lugar. Gente que mora só. Então, é uma chance de desacelerar. Vivemos em uma sociedade frenética. É uma oportunidade de rever o modo de vida.
A terapia online, que foi uma maneira de contornar os obstáculos do distanciamento social, vai se transformar em uma ferramenta perene. “Ela tem surtido efeito. Principalmente para as pessoas com maior fragilidade, com crises de ansiedade. Não é o ideal, mas nós estamos conseguindo”, acredita Maria Clara Simões.
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